Se as principais potências do mundo estão vivendo a “quarta revolução industrial” em sua essência, falando de Big Data, internet das coisas e vendo a inteligência artificial (IA) ser aplicada na linha de produção, a economia brasileira tem sido marcada, nas últimas décadas, por outro tipo de fenômeno, oposto a essa realidade: a desindustrialização e o enfraquecimento das políticas de desenvolvimento regionais.
Um processo que, além de expor as dificuldades inerentes à realidade de quem empreende, põe em evidência as fragilidades de um cenário político-econômico marcado por incertezas e pela falta de uma urgente reforma tributária.
O termo desindustrialização ganhou repercussão com a interrupção dos negócios da Ford em todas as frentes no Brasil, apesar da presença de mais de um século em solo nacional. Mesmo com a posição de destaque que ocupamos quando o assunto é a produção de automóveis nas Américas, mandamos muito mal – o “Custo Brasil” continua elevado, estrangulando indústrias e negócios de outras naturezas com elevada burocracia e um emaranhado de leis que sustenta a alta carga de impostos.
A indústria vem perdendo peso na economia brasileira continuamente, com pelo menos 30 anos que devem entrar nesta estatística e o encerramento das atividades da montadora em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE) só reforçam as evidências.
Como consultores de empresas na área de gestão de pessoas, carreira e exgestores públicos com experiência em promoção social e atração de investimentos e infraestrutura, nós, da Grow Consulting, sabemos que o desejo comum a todos é que as decisões governamentais sejam pautadas por soluções que mirem a almejada competitividade. Sem tirar do radar a transformação digital que acelerou uma disrupção que, de alguma forma, iria acontecer em setores diversos.
Mas a conjuntura nos mostra que pelo menos cinco mil empregos diretos serão cortados em meio a uma crise sanitária sem precedentes. E, independentemente de especialistas do mercado automotivo apontarem erros de estratégia na atuação da Ford, no que se refere à sua produção e concorrência, temos uma questão mais abrangente para analisar.
O planejamento e realização de um processo de “desmobilização” responsável precisam ser tratados como prioridade neste processo. Isso envolve toda a microeconomia inerente à Ford na Bahia e nos outros dois estados onde a montadora está se desfazendo de seus ativos, como também os colaboradores da empresa e de todo sistema de produção.
Mas o que estaria por trás do conceito de “desmobilização”?
Nada mais do que proporcionar uma transição humanizada para estes profissionais que serão dispensados com a mudança de planos da empresa. Seja apoiando a reinserção no mercado de trabalho, na vida produtiva ou ajudando na construção de um novo ciclo profissional.
Claro que não se trata de uma tarefa simples, principalmente porque esse apoio precisa ser executado de forma macro, coletiva e estruturada, considerando as peculiaridades da mão de obra e do mercado local. Por isso, algumas variáveis precisam ser consideradas neste processo.
É preciso considerar a conjuntura econômica, as oportunidades disponíveis no local de atuação da empresa e, claro, o segmento de atuação dos trabalhadores. Outro aspecto relevante é que muitos profissionais estão há anos ocupando funções dentro da empresa ou não possuem experiência na prospecção de novas oportunidades. Também é importante considerar a diversidade de alternativas neste processo de reinserção no mercado de trabalho, vida produtiva e/ou até uma nova carreira.
Por parte do empregador, é possível contar com o suporte de consultorias especializadas e com larga experiência no campo do “outplacement”, carreira e planejamento financeiro. Na Grow Consulting, desaconselhamos à utilização de soluções simplistas e de larga escala, como disponibilizar digitalmente modelos de currículos atualizados, encaminhar CVs em massa para organizações sem prévio contato ou promover palestras superficiais para o time que será desligado.
Com base em larga experiência local, nacional e internacional em projetos de grande porte de desmobilização, algumas lições e aprendizados de como ter sucesso nesta dolorosa operação.
O primeiro aprendizado é a importância do suporte psicológico a este colaborador, independente de questões mais tangíveis e técnicas, este é um elemento que não pode faltar. Muitos ficam literalmente “sem chão”, chegam a tentar esconder das suas famílias o ocorrido e não enxergam nenhuma “luz no fim do túnel”.
O segundo é a importância de um projeto coletivo, de considerar a individualidade na construção de estratégias de recolocação profissional e certa categorização destes colaboradores de acordo com condição socioeconômica, escolaridade, faixa etária, tempo de empresa, formação profissional, estágio de carreira e até perfil comportamental.
O terceiro aprendizado é a importância do suporte nas questões legais e financeiras. Muitos trabalhadores desperdiçam os recursos financeiros recebidos e inviabilizam qualquer tipo de reserva financeira para seu custeio e tempo de reinserção no mercado de trabalho, ou construção de um novo projeto de vida e carreira.
Por fim, ressaltamos a importância da transparência na comunicação, sendo ágil, assertivo e trazendo sempre a realidade dos fatos – sem criar terrorismo, mas a realidade não pode ser mascarada.
Fábio Rocha
Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.
Felipe Mançano
Consultor de empresas, Sócio-Fundador da Grow Consulting Group e Especialista em Recrutamento e Seleção