A saúde mental e o impacto no exercício da liderança

A crise da saúde mental é um problema que foi amplificado pela pandemia, mas já era um problema antes dela e tende a não melhorar tão cedo. Pensar, falar e agir a favor da saúde mental dentro de uma empresa hoje não é mais algo opcional, é uma necessidade. Rendimento, produtividade e até lucro estarão cada mais interligados à forma como a empresa e os líderes gerem a convivência e incentivam o autocuidado em sua equipe.

Segundo relatório lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em março de 2022, houve aumento de 35% de registros de casos de transtornos mentais. A pandemia certamente afetou a todos de diversas formas: medo constante de uma morte que chega de forma invisível (vírus), crises financeiras, incerteza de melhora, longos períodos de isolamento social etc. Mas certamente, os problemas de saúde mental já vinham em uma crescente assustadora. A depressão, por exemplo, já tinha ganho o título de “mal do século XXI”. Em relatório da OMS de 2017, já eram identificados, apenas no Brasil 11,5 milhões de casos de depressão.

Transtornos de ansiedade, depressão, crises de pânico estão cada mais presentes nos discursos e relatos de empregados, líderes, amigos e familiares. Dois aspectos podem ser apontados: 1 – maior conhecimento público e menor nível de preconceito sobre problemas psicoemocionais; 2 – Necessidade de busca por ajuda por estar apresentando baixa no rendimento profissional, perda de vontade e prazer na vida e/ou prejuízos nos relacionamentos interpessoais. Cada vez mais pessoas e empresas pagam altos preços pelo adoecimento de membros de uma equipe.

Por que podemos afirmar que este problema não tem data para retroceder?
Com o avanço do neo-liberalismo e o desenvolvimento tecnológico do que Lypovetsky denomina de hipermodernidade, tudo é muito rápido, em grande volume e exigindo cada vez mais decisões pessoais. O conceito Moderno do Iluminismo de liberdade hoje alcança níveis nunca antes imaginados, e isto é apenas o início da jornada. Se projetarmos a vida para daqui a 20, 50, 100 ou 200 anos, observaremos com muita tranquilidade que estamos começando a sair da caverna platônica. Estamos iniciando as descobertas e avanços tecnológicos de independência e autonomia pessoal. Entretanto, tudo isso pago um preço.

Por mais que não queiramos, o ser humano possui limite, e este limite é dado principalmente pelas emoções e pela saúde mental. Uma criança que acumula conhecimento excessivo, que possui níveis de exigências sobre rendimento, competitividade internacional em jogos e redes sociais a todo momento, chega no final de sua infância e início da adolescência já desgastada. Excessos de informações, de relacionamentos (o volume de comunicação, cobranças e crises pelo alto número que conexões ocasionadas pelas redes sociais), de autocobrança (impulsionadas por um mundo altamente competitivo) e outros, têm sido fatores estressantes aos jovens e crianças que já nasceram na era digital. E estes serão, ou já são, os novos estagiários e funcionários das empresas.

Por sua vez, é também o período do desempenho, da autorrealização e da quebra de padrões. O Brasil ainda possui grande número de gestores conservadores formados no século passado, tendo que lidar com práticas e funcionários do século atual. Saber gerenciar essa dinâmica entre gerações é fundamental para o bom desenvolvimento de uma equipe e uma empresa. E saber gerir hoje inclui entender o funcionamento da subjetividade

Saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. A saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais. A saúde mental de qualquer indivíduo impacta nas suas decisões, seus comportamentos e nas suas relações e afeta diretamente ma realidade organizacional, corporativa. Este é um tema de primeira grandeza para as empresas que atuam e prezam pela performance individual e aos resultados da organização.

Mas afinal, do que precisa a nova liderança?

Entende-se liderança como um conjunto de competências comportamentais, as chamadas soft skills ou inteligência emocional. Ser líder é um desafio ainda maior de ser um bom gestor. Liderança tem muito mais haver com pessoas e não apenas com tecnologia, processos, recursos, entre outros elementos do mundo tangível.

Um primeiro aspecto de teor eminente corporativo é que as relações entre o líder e os liderados dão todo o tom para o ambiente corporativo e para a perpetuidade da organização. Grande parte de tudo que acontece em uma organização no presente e no futuro, está extremamente ligado à forma como seus líderes exercem a liderança.

Se o ambiente de trabalho não é dos melhores, isto passa pelo exercício da liderança. Se não existe abertura para contribuições e/ou novas ideias serem apresentadas pelos colaboradores, isto também passa pelo exercício da liderança. Se não surgem novos lideres ou suas equipes não se desenvolvem, isto também passa pelo exercício da liderança. Se o turnover está acima dos padrões de mercado e seus melhores colaboradores pedem demissão, isto tem tudo a ver com o exercício da liderança. Em resumo, engajamento, produtividade, autonomia, autogerenciamento e formação de sucessores estão totalmente conectados ao comportamento das lideranças na sua organização.

E é partir deste contexto que o elemento saúde mental torna-se uma variável de peso, pois, se este estado está comprometido negativamente nas suas lideranças, torna-se quase impossível termos um bom padrão de desempenho ou relacionamento dos lideres com seus liderados.

A complexidade é tanta e o desafio é tão grande que está no papel do líder saber cuidar da sua própria saúde mental, como também saber apoiar seus respectivos liderados neste aspecto. E isto é algo que apesar de ser intrínseco ao ser humano, é totalmente novo para o mundo corporativo e para os lideres, principalmente aqueles lideres ainda muito acostumados com a era do comando-controle e do mito que “os problemas pessoais do colaborador deveriam ficar da porta para fora”.

Portanto, ser um bom líder passa primeiro pelo autocuidado. Quanto mais tempo o líder investir em se conhecer e se cuidar, mais sensível este será para reconhecer as necessidades de sua equipe. A presença de psicólogos e os mais diversos agentes da saúde também podem ser usados como forma de cuidar e colher feedbacks da equipe, além de criar ambiente de produção orgânica, natural sem o peso desnecessário que só traz desgaste e improdutividade.

*Fábio Rocha
Consultor, Professor, Coach, Especialista em Carreira e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade

*Vinicius Farani
Doutor em Família na Sociedade Contemporânea (UCSAL-BR, Aalborg University-Dk), psicólogo clínico,especialista em psicologia analítica pela APPJ-SP, docente da Faculdade Baiana de Direito e escritor.