Além de “pandemia” e “quarentena”, um dos temas mais discutidos nos últimos dias é “o mundo nunca mais será o mesmo depois da pandemia do Covid-19”.
A maioria dessas mudanças, sejam elas no campo das relações de trabalho, consumo, cuidados com a saúde e até mesmo no campo dos valores e dos hábitos cotidianos, já acontecem a pelo menos 15 anos.
Sem querer entrar na questão do que já mudou ou ainda vai mudar, o que nos moveu a escrever foi o quanto as organizações e seus líderes estão preparados para o que podemos chamar de “Momento Pós Covid-19”.
Pensemos um pouco e nos perguntemos: minha organização está preparada? Eu estou preparado? Antes vale a pena refletirmos sobre como estamos vivenciando o período da quarentena:
● se conseguimos tomar as medidas emergenciais necessárias, focando na sobrevivência do negócio e na manutenção dos postos de trabalho, já começamos muito bem;
● se ainda fomos capazes de readequar, replanejar e reestruturar o negócio, pensando um pouco mais a médio prazo, nos saímos melhores ainda;
● e se, para além dessas ações práticas, que exigem distintas competências e habilidades, ainda conseguimos nos (re)conectar com as pessoas, sentindo junto com elas os temores, as dores e esperanças de dias melhores, compartilhando dos mesmos valores em meio a essa crise tão cheia de aprendizados, aí sim, talvez já estejamos vivenciando e praticando alguns dos maiores Ativos das organizações depois que essa pandemia passar.
É possível dizer que para lidar com uma situação tão adversa e serem bem sucedidas, as organizações precisariam ter uma base sólida. Essa base seria constituída de uma boa situação financeira, de um bom market share (participação no mercado), de uma equipe eficiente e de um propósito e valores claros, compartilhados por todos na organização. Mas podemos então nos perguntar: só empresas sólidas tem chances de atravessar bem essa crise? A resposta é sim e não.
Se pensarmos no exemplo da Magazine Luiza, que ocupa o segundo lugar em lembrança dos consumidores durante a pandemia, segundo pesquisa divulgada pela revista digital Propmark, e que também lidera em boa imagem na crise, segundo matéria do Estadão, veremos muitos pontos positivos que demonstram uma vivência proveitosa da crise:
● Rapidez na tomada de ações emergenciais – Magalu implementou o frete grátis para todo Brasil e cedeu sua loja virtual para pequenos negócios e pessoas físicas, sem custo;
● Esforços reais para não demitir pessoas;
● Posicionamento claro dos seus maiores líderes para o mercado, colaborando com conteúdos relevantes na internet, participando de movimentos e sendo protagonista em doações para o governo de São Paulo, por exemplo, além de outras ações pulverizadas no campo social. Essa é uma empresa com base sólida que chegará no “Momento Pós Covid-19” ainda mais forte.
Mas o que chama atenção nessa crise, e essa é uma mudança que veio para ficar, é que muitos negócios pequenos e ainda sem solidez financeira, poderão sair dessa crise muito mais fortes. O segredo são os Ativos, como: ter um propósito inspirador (razão de existir do negócio), líderes criativos, sensibilidade e espírito de cooperação.
Então finalmente perguntamos: quais serão os maiores Ativos das organizações no Momento Pós Covid-19?”
Vamos definir Ativos de uma organização como elementos positivos tangíveis ou intangíveis que compõem o DNA da empresa; esses elementos podem ser relacionados a ideologia, identidade, gestão, cultura e processos e devem ser usados para potencializar o sucesso e a perpetuidade do negócio. Os Ativos incluem elementos formais e informais, como políticas, diretrizes, conhecimentos e até lições aprendidas.
Escolhemos três Ativos que com certeza sairão dessa crise ainda mais valorizados: COOPERAÇÃO, CRIATIVIDADE e SENSIBILIDADE.
Em que cenário poderíamos imaginar que uma cervejaria criaria uma campanha, investindo sua verba de marketing e talvez mais do que isso, para ajudar restaurantes (seus clientes) a não demitirem funcionários nem fecharem suas portas? É o que a Stella Artois – marca da Ambev, fez: a campanha “Apoie um Restaurante” incentiva consumidores a comprarem um voucher de cinquenta reais válido por um ano, e a cervejaria dobra esse voucher para cem reais. Em outras palavras, a marca de cerveja vai doar 50% do valor dos vouchers comprados. Isso é espírito de Cooperação, Criatividade e Sensibilidade.
A Cooperação será um Ativo fundamental depois que tudo isso passar. Afinal os habitantes desse novo mundo que se reorganiza, já se deram conta que “estamos todos no mesmo barco” e que nesse cenário, se não pensarmos no bem estar de todos, teremos poucas chances de sobreviver. Por ser uma organização sólida, a Ambev poderia ficar de braços cruzados esperando a crise passar, mas ela demonstra através de inúmeras ações em benefício da sociedade, que não é suficiente ela estar bem; se o mercado em que ela está inserida não estiver bem, se o país não estiver bem, se seus clientes não estiverem bem, tudo perde o sentido. Essa crise nos convida para colocarmos sensibilidade na mesa das reuniões e transformarmos isso em Cooperação dentro dos negócios.
A Criatividade é outro Ativo que será fundamental para o desenvolvimento e a perpetuidade das organizações, num cenário hiper conectado de digitalização da economia. Segundo o publicitário Bruno Brux, “criatividade é resolver problemas, e problemas é o que não falta nesse momento”. Mas ele alerta que “sem se colocar no lugar do outro, a criatividade passa a ser só um capricho”. O Ativo Criatividade chegará ao “Pós Covid-19” renovado, com o status de solucionador de problemas com sensibilidade; por isso não será suficiente ter uma ideia genial, e sim pensar em como essa ideia contribuirá para a melhoria de vida das pessoas.
O ambiente organizacional e a qualidade do exercício da liderança são os grandes impulsionadores e veículos da Criatividade, assim como de todos os outros Ativos de uma empresa. Esse ambiente, que é maior do que o clima organizacional passageiro, é representado pela qualidade das relações entre empresas e seus colaboradores, líderes e liderados, e passa também por cultivar nas organizações um mindset de crescimento – mentalidade que busca constantemente novos aprendizados, abre-se para reinventar processos, produtos e serviços, colocando o negócio em condições de atuar frente a cenários totalmente novos e imprevisíveis.
Por fim, o terceiro Ativo que escolhemos, por si só é uma palavra que à luz dos Ativos mais tradicionais das empresas, como ética e transparência, talvez ainda pareça inapropriada para algumas organizações, como se ela, a Sensibilidade, não tivesse uma licença para ser denominada de Ativo. Mas ela é sim um elemento positivo intangível que pode influenciar fortemente o sucesso de uma empresa.
Quando falamos em Sensibilidade como Ativo, estamos falando de duas vertentes: uma no campo da Gestão – que é liderar, tomar decisões e definir o modelo e até o rumo do negócio “de forma sensível”; e a outra vertente é a Sensibilidade como fator de Saúde das pessoas dentro das organizações – fator que deve ganhar status e investimentos nas áreas de Pessoas das empresas.
Uma das grandes preocupações de muitas empresas durante a pandemia é a saúde mental dos seus colaboradores, especialmente os que estão trabalhando em home office. Inúmeras empresas incentivam e promovem, até dentro da carga horária de trabalho, práticas de mindfulness, yoga e “bate papos descontraídos sobre temas diversos” com o intuito de cuidar das emoções dos seus colaboradores.
Para Nairah Matsuoka, da revista HSM, “o Marketing foi a questão corporativa mais importante dos anos 90, a Gestão do Conhecimento foi a bola da vez nos anos 00, a Inovação foi a palavra dos anos 10 e a década de 20 será integralmente voltada para os Seres Humanos”. Nairah ainda diz que “as pessoas estão cansadas, precisando se reconectar com propósitos mais abrangentes que a carreira” e que “a pandemia reforçará essa demanda por foco na saúde psicológica, emocional e física”. As empresas que perderem o foco no ser humano no Pós Covid-19 estarão praticando um retrocesso. Desta forma, identifique e gerencie seus ativos e deixa sua organização fortalecida para estas mudanças que vieram para ficar.
Fábio Rocha
Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.
Maiza Neville
Especialista em Carreira, Consultor em Gestão de Pessoas por Competências, Professora, Coach e Diretora-Executiva da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.