TERCEIRO SETOR 5.0: FINITUDE DOS FUNDADORES E PREPARAÇÃO DE SUCESSORES

Fábio Rocha. Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade. fabio@damicos.com.br

Karine Rocha. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL. Professora e advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Direito Previdenciário e Terceiro Setor. @prof.karinerocha.

Não há dúvidas que sem a existência da atuação das organizações do terceiro setor, teríamos crises ainda maiores na educação, assistência social, saúde, meio ambiente, defesa de direitos de crianças, mulheres, pessoas com deficiência, entre tantas outras áreas de atuação. A força da representatividade, inovação, legitimidade e impacto destas organizações na Bahia, no Brasil e no mundo são inquestionáveis.

Ao lado disto, estas organizações tem desafios gigantes no campo da legalidade, da gestão, da sustentabilidade econômica e da sua modernização como um todo, mas, nenhum destes desafios se compara a dois elementos: A finitude do fundador (es) e a necessidade de preparação de sucessores.

Nos quase 33 anos da Damicos Consultoria, tivemos e temos experiências incríveis de consultoria com organizações do terceiro setor dos mais diversos portes, segmentos e histórias, como por exemplo, o Ilê Aiyê, Liceu de Artes & Ofícios da Bahia, Grupo de Apoio a Criança com Câncer – GACC, Fundação Odebrecht, Obras Sociais Irmã Dulce – OSID, Associação Cultural Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso e do Garantido (Parintins) e tantas outras organizações de Salvador, da Bahia e do Brasil.

Com base nesta experiência, como também na minha atuação durante quase 5 (cinco) anos na Fundação José Silveira, como colaborador, fica muito clara a real ameaça de continuidade das organizações do terceiro setor com a finitude do seu fundador ou fundadores.

A complementar a afirmação de Fábio Rocha, como co-autora desse artigo, para atenuar esse desafio no campo da gestão, e da visibilidade da instituição, haja vista que muitas vezes o Fundador que permanece como liderança, é um dos maiores atrativos para captação de recursos, como um comparativo, uma marca para as empresas, isso interfere demais, pois como atuante em muitas organizações do Terceiro Setor há 25 anos como advogada, inclusive citadas acima em trabalho de parceria, as pessoas tem a sua finitude. E como resolver isso no campo da gestão e juridicamente?

Apesar do termo finitude designar a qualidade do que é finito, que possui um fim. A finitude se trata de um conceito que permeia variadas esferas da vida e das organizações, compreendendo aspectos físicos, temporais e existenciais. E em todas essas dimensões, a ideia de restrição e limitação está presente, moldando a compreensão que se tem do mundo ao redor e da própria existência. Uma das manifestações mais expressivas da finitude diz respeito a mortalidade humana.

É claro que este impacto do afastamento ou falecimento do fundador da organização é quase que irremediável, por tudo que o mesmo representa para a organização, em termos de empreendedorismo social, valores, reputação, credibilidade, rede de relacionamento e muito mais. O que acontece é que isto é muito potencializado por uma relação de grande dependência da instituição com o mesmo e pela não formação de novos quadros ou sucessores preparados, alinhados ao proposito e à cultura organizacional da instituição.

Não podemos esquecer aqui dos aspectos legais, como por exemplo, ocorre o falecimento do fundador, sem nenhuma definição anterior de aspectos inclusive jurídicos da sucessão e de tantos outros elementos. O Código Civil que é o sistema macro que rege com algumas previsões legais o Terceiro setor, principalmente o Estatuto, faculta s deliberação do prazo do mandato sem limitação de tempo, não prevê por exemplo em caso de morte, como será o processo de substituição na vacância até novas eleições.

Um primeiro aspecto para minimizar esta perda é que a instituição avance na sua modernização da gestão, trabalhando elementos como planejamento estratégico, gestão de pessoas, diversidade de receitas, cultura organizacional, governança, compliance e muito mais.

Estes conceitos ou programas vão descentralizando a gestão e institucionalizando processos internos organizacionais, como também trazendo novos atores na formação de lideranças para estas instituições do terceiro setor, sejam eles, Conselheiros, Sponsors, Gestores, colaboradores, etc.

Um outro elemento fundamental é a preparação de sucessores, não apenas do fundador (es), mas, de sucessores das diversas pessoas estratégicas em toda a organização, inclusive no seu Conselho, seja ele de administração ou consultivo.

Como afirma Maiza Neville, Sócia-Fundadora da Damicos Consultoria e com larga experiência na preparação de sucessores, sucessor é bem diferente de um substituto interino ou temporário.

O termo “sucessor” refere-se àquele que sucede, ou seja, alguém que ocupa o lugar de outra pessoa ou que dá continuidade a uma função, cargo ou legado. Por isso, tão relevante, a previsão no Estatuto desse processo, pois como o Terceiro Setor integra o Direito Privado, o que não é previsto, é permitido. No momento que o processo de democratização não é definido no Estatuto, com certeza ficará mais difícil para implementação da cultura de renovação de lideranças.  

Vale ressaltar que esta preparação de sucessores precisa ser feita com alguma antecedência e requer a utilização de uma série de conceitos, práticas, metodologias, ferramentas e etapas, como por exemplo, o entendimento que “O Talento não pertence ao setor e sim à Organização” e que os sucessores nem sempre serão preparados focando um determinado sucedido.

Com base em nossa experiência, a sucessão também é um aspecto vital para as organizações do terceiro setor, aliás muito mais do que para as empresas, porque essas tem finalidade lucrativa, tem sua fonte(s) de renda (s) muito bem definida.

Enquanto no Terceiro Setor não há finalidade lucrativa, e sim objetivos que impactem no interesse público e/ou social, isto é, a captação de recursos é um meio para a manutenção das organizações e muitas vezes o fundador é a identidade da organização, ou melhor, o maior legado em todos os aspectos pela sua visibilidade, credibilidade, atuação mais constante nas redes de comunicação, e infelizmente ás vezes até para o processo de sucessão comentar sobre essa finitude se torna assunto proibido.

Interessante que nas minhas palestras em vários estados do Brasil como Presidente da Comissão Especial de Direito do Terceiro Setor, muitas vezes quando exemplifico com o nome das organizações do Terceiro setor mais famosas da Bahia, conhecidas mundialmente, as pessoas não reconhecem, quando menciono o nome dos fundadores ou fundadoras, aí sim os ouvintes se identificam. 

Portanto, a finitude de uma organização ou nas melhores das hipóteses a sua dificuldade em renovação de quadros ou expansão das atividades, também pode ser muito limitada por esta organização se tornar dependente de um pequeno grupo de gestores ou colaboradores em posições estratégicas ou até táticas. Por isso, esse processo precisa ser visto como uma transição natural, contínua e positiva.