Empresas familiares – Como crescer e superar os desafios impostos pelas mudanças e pelo mercado?

Este é um dos temas considerados de grande relevância para a sociedade, independente da época. As organizações familiares, nascidas do desejo e necessidade dos seus fundadores, que sonharam construir negócio próprio, hoje representam uma parcela importante da receita nacional. Ressaltamos que 1/3 das 500 maiores empresas do mundo são familiares e, considerando somente os países industrializados, em torno 75% de seus empreendimentos também estão neste grupo. No Brasil, estas empresas são responsáveis pela empregabilidade de mais de 50% da força de trabalho.

Inúmeras empresas familiares iniciaram suas atividades em pequenos escritórios e hoje possuem um volume de contratos e clientes que as caracterizam como médias e grandes empresas, constituindo assim um universo com grande heterogeneidade, tanto no seu tamanho e grau de competitividade quanto nos ambientes econômicos que atuam. Este crescimento nem sempre foi planejado, muitas empresas se estruturaram, tornaram-se competitivas, outras se acomodaram e precisam reformular suas atividades e modelo de gestão para concorrer no mercado atual. Num processo evolutivo, o foco estava mais direcionado a administrar a eficiência, com pouca atenção à mudança de comportamento de seus integrantes.

O deslocamento de prioridade dos gestores, as sucessivas rupturas tecnológicas, o aumento da diversificação da força de trabalho, o crescimento da competitividade, são alguns dos fatores que levam as organizações a se deparar com uma realidade de maior dinamismo, que exige um importante e continuo incremento de inovação, renovação da cultura organizacional e gestão de mudanças para responder às demandas de mercados mais agressivos.

Adentrar o universo de uma dessas empresas, especialmente quando o foco é prestar serviços de consultoria visando a sua modernização e incremento de novas ferramentas e tecnologias direcionadas à melhoria dos padrões e indicadores de gestão, requer uma estratégia customizada, desenhada a partir do conhecimento da organização, incluindo seus ativos tangíveis e intangíveis, como sua história, cultura, estilo de gestão, políticas de mercado, políticas de gestão de pessoas, entre outros. Não é possível dar suporte a questões relevantes para o seu crescimento, adaptando-as às novas regras de mercado, exigências das partes interessadas no negócio (colaboradores, fornecedores, clientes, acionistas, entre outros), sem respostas a alguns questionamentos, como por exemplo:

  • Como foi conduzido o processo de crescimento da empresa?
  • Internamente a empresa se profissionalizou? Se modernizou?
  • O que aconteceu com os aspectos culturais dessa organização? A sua cultura influiu no estilo de governança? Quais foram os impactos observados durante o processo de mudança?
  • O sócio fundador continua presente na gestão da organização?
  • Houve sucessão com familiares ou a gestão da organização foi confiada a um profissional de mercado?
  • No caso de transição, como foi trabalhado este momento?

São muitas as peculiaridades que envolvem a gestão da organização e também são grandes os desafios que precisam enfrentar para alinhar-se a realidade contemporânea, ao novo consumidor, aos novos padrões de práticas de gestão e, ao mesmo tempo, manter as características e valores que deram sustentação à sua trajetória, o que chamamos de ativos positivos intangíveis. São estes ativos que de fato dão singularidade a essas organizações, questões relacionadas, por exemplo, ao engajamento dos colaboradores com a empresa, envolvendo-os em uma espécie de grande família corporativa.

Contextualizando as questões aqui mencionadas citaremos a seguir algumas características que, de forma geral, são comuns nas empresas familiares e que constituem a base da cultura dessas organizações:

  • Problemas de profissionalismo, com gestão informal baseada na experiência acumulada e baixa delegação de poder.
  • Ausência de ações estruturadas de planejamento sucessório, com recorrente conflito entre os papéis de membro da família, acionista e executivo da empresa, gerando ambiente para conflitos de interesses e possíveis comportamentos que põem em risco o sucesso do negócio.
  • Predomínio dos critérios familiares sobre os empresariais e ao estilo de administração dos seus líderes, gerando um ambiente que dificulta a renovação empresarial. A estabilidade apresentada em algumas situações pode ser confundida, tornando o ambiente organizacional estático e o estado inercial causa sérios danos à organização, com interferência nos resultados.
  • Os impactos da cultura na profissionalização da gestão e governança dessas empresas são percebidos por todos os seus integrantes.
  • Muitas são pequenas empresas em crescimento, que estão alcançando grandes resultados financeiros e de posicionamento no mercado, sem nenhuma estruturação no campo da gestão de pessoas.
  • O processo de descentralização de poder interfere diretamente na forma de decidir e planejar as estratégias. O desgaste de contatos muito próximos, a centralização da gestão, a ausência de processos sistematizados, deficiência no sistema de comunicação interno formal e problemas no exercício da liderança potencializam os problemas gerados por este ambiente.
  • Empresas que cresceram rapidamente, tendo muitas vezes pessoas altamente comprometidas e engajadas, mas, que não estão preparadas para liderarem este novo momento e acabam até impedindo o aparecimento e/ou crescimento dos novos talentos.

Complementando as questões aqui apresentadas citamos a seguir dados obtidos em pesquisa da Bain & Company realizada recentemente com mais de 8.000 empresas em todo mundo, visando compreender melhor o percurso e as possíveis barreiras para o crescimento enfrentado por elas e, conforme resultados divulgados em The Founder’s Mentality, concluiu-se que para as empresas bemsucedidas, 85% dos principais obstáculos na busca de ganhos de escala são fatores internos — a falta de responsabilização, o crescente distanciamento dos funcionários da linha de frente e a sobrecarga — e não externos, como o baixo poder aquisitivo dos mercados ou a ineficácia das estratégias.

No começo de 2017, outro estudo, de abrangência mundial com 319 executivos, bem como 12 workshops conduzidos por CEOs com cerca de 100 líderes das empresas mais promissoras, apontaram que os grandes desafios se agrupavam em quatro áreas:

  1. Incapacidade do fundador de se adaptar às novas necessidades da organização (37% delas afirmam que esse é um problema). Ocorre quando as habilidades de liderança do fundador da empresa chegam a um limite, inibindo a capacidade que ela tem para avançar até a próxima etapa. E isto é muito forte nas empresas familiares, nas quais, este reconhecimento precisa acontecer até por parte do próprio fundador, e ao mesmo tempo, não se pode abrir mão de tudo que há de ativos positivos, ou até se achar que o problema maior se restringe ao sócio-fundador.
  2. A receita cresce com muito mais rapidez que os talentos. Aproximadamente 55% dessas empresas dizem ser esse seu maior problema; de fato, foi constatado ter sido uma grande dificuldade de crescimento empresarial em todo o estudo. Reestruturar uma equipe inteira em meio à condução de um negócio não é nada fácil, principalmente pela proporção que a empresa adquire e seu desejo de crescer cada vez mais rápido.
  3. As dificuldades de comunicação entre os funcionários da linha de frente é o terceiro maior desafio encontrado. É comum observar práticas de gestão que reforçam o distanciamento entre a equipe de funcionários seniores e funcionários da linha de frente. Elemento também comum e bastante visível nas nossas pequenas empresas que cresceram e não reestruturaram seu sistema de comunicação, antes baseado no contato do dia-a-dia, é o fato de que suas lideranças não conseguiram assumir o importante papel de multiplicadores, disseminadores de valores, práticas, decisões, antes totalmente assumido pelos sócios fundadores.
  4. Outra questão que assola estas empresas é o desgaste de responsabilidade. Quando sob estresse, as organizações tendem a fazer com que os funcionários se preocupem muito mais em evitar qualquer sentimento de culpa, ao invés de estimular para assumirem riscos e responsabilidades com foco na solução de problemas. O resultado é a potencialização de uma cultura tóxica, na qual o trabalho em equipe e a confiança tornam-se frágeis e ninguém é responsável por colocar em prática as decisões e os valores da empresa.

Funcionários em ambientes corporativos nos quais não se sintam emocionalmente envolvidos e demonstrem pouca confiança, tem apenas um quarto de chance de investir seu tempo propondo novas ideias, ou de dedicá-lo a solucionar o problema de um cliente, com a sensação de estar em uma missão conjunta que exija responsabilidade.

Focar demasiadamente a energia da empresa em problemas internos, especialmente em situações dissociadas da relação empresa x cliente, pode levar ao distanciamento de questões essenciais ao sucesso do negócio, especialmente no que se refere à atenção e monitoramento da captação e manutenção de clientes. O estudo indica que, quando há algum problema interno na empresa, o efeito nos clientes é imediato e claro.

No mundo empresarial ainda constatamos grandes empresas que não dispensam a devida atenção e importância às pessoas, ao ambiente corporativo e aos chamados ativos intangíveis. O processo de descentralização de poder, sem dúvida ocasiona mudanças na forma de decidir e de planejar as estratégias, porém, nas empresas familiares, este processo deve ser conduzido com cautela, com o programa de governança baseado nas suas peculiaridades, considerando os laços de relacionamento e de confiança entre os envolvidos.

Nossa experiência de mais de 25 anos de mercado na área de consultoria, coaching, palestras e treinamentos sinaliza que manter a sinergia organizacional, envolver todos os integrantes da organização em torno de uma visão, é sim um dos maiores desafios para estas organizações.

Portanto, com base em nossa experiência, os sócios-fundadores, gestores destas empresas que cresceram rapidamente, devem no mínimo ficar mais atentos a estas variáveis internas; priorizar os desafios ligados diretamente ao “jogo interno”; potencializar o que há de melhor na cultura, na história, no propósito e nas pessoas que a integram; investir no desenvolvimento e implantação de instrumentos de gestão adequados à sua transformação em ativos positivos, que venham a dar suporte ao enfrentamento dos desafios aqui descritos neste artigo. Principalmente, entendendo que são estes ativos que as diferenciam das grandes empresas.

REFERENCIAS:
Gallo, M. A.; Ribeiro, V.S.. A Gestão das Empresas Familiares . Almedina. 1996
Castro, C.B.; Bueno, J.C.C.; Economía de la empresa / Business Economics: Piramide Ediciones Sa; Espanha.2012.
Oliveira, D.P.R. Empresa familiar: como fortalecer o empreendimento e otimizar o processo decisório. São Paulo. Atlas. 1999.
Pelry, L. I,; Nascimento, A.M. Um estudo sobre o modelo de gestão e o processo sucessório em empresas familiars. Revita Contabilidade e Finanças. USP. 2009.
Freitas, E.C.; Barth, M. De pai para filho: a complexidade e os desafios da gestão das empresas familiares. Revista da UFSM. Santa Maria. 2012.

Fábio Rocha

Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.

Maiza Neville

Especialista em Carreira, Consultor em Gestão de Pessoas por Competências, Professora, Coach e Diretora-Executiva da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.