Atenta às diferenças existentes em cada segmento de negócio, tenho dedicado tempo e atenção para pesquisar as características, especificidades, e, também, pontos comuns já conhecidos do ambiente organizacional, especialmente no contexto da gestão de pessoas por competências e formação de lideranças.
Profissional ativa no desempenho de ações direcionadas a apoiar o desenvolvimento das pessoas e das organizações, e tendo um filho que escolheu a profissão de médico, desde o início da faculdade sempre conversávamos sobre o segmento de saúde, a complexidade envolvida neste campo e, especialmente, as características e cultura prevalecente nas instituições e equipes desta área.
Na condição de professora de cursos de pós-graduação e orientadora de monografias de cursos de gestão em serviços de saúde, tenho direcionado maior atenção para as questões relacionadas a esta área, no âmbito da gestão de pessoas e liderança.
Nesta caminhada, em várias situações observei a necessidade das instituições no que se refere à preparação de suas equipes, de seus líderes e gestores. Observei, também, que as ações de capacitação dos integrantes de algumas instituições de saúde são realizadas de forma genérica, com suporte teórico, porém sem aderência à cultura e a adequabilidade necessária que assegure as mudanças de comportamentos e práticas de gestão indispensáveis para a elevação do padrão de desempenho dos líderes formados.
Este artigo não pretende esgotar o assunto, mas, contribuir com reflexões que possam ampliar a discussão do tema e o interesse dos gestores e líderes do setor, bem como alertar para a importância da identificação das competências essenciais à preparação e ou atualização profissional, com vistas ao desempenho de alta performance das lideranças atuantes nesse sistema.
A atuação do líder em instituições da área de saúde com diversos níveis de complexidade, tais como: hospitais, centro de saúde, serviços de urgência, saúde suplementar, secretarias municipais e estaduais, entre outros, constitui pilar de sustentação não só para o cumprimento da missão da organização, como, também, promover a credibilidade e confiança da sociedade, sustentabilidade do negócio e diferencial no segmento.
Uma das tendências das organizações que atuam na área de saúde é a disposição para a busca da segmentação de sistemas, modelos e práticas de gestão, tendo em vista que, como em outros setores, na saúde são bem distintos os ambientes de governança quanto a estruturação dos processos, a interação entre os principais agentes e órgãos e a ocorrência de questõeschave nos diferentes agrupamentos que o operam. O ambiente, os traços culturais, os propósitos dominantes, os requisitos legais e institucionais específicos são, também, significativamente diferenciados entre instituições filantrópicas e cooperativas, entre o setor privado e o público, entre os operadores e prestadores de serviços, não obstantes possam ser bem parecidos, assim como os motivos, os valores e os princípios que os norteiam.
Independentemente de como se organizam do ponto de vista legal, institucional e dos seus objetivos, todos os agrupamentos que operam no setor têm em comum os cuidados com que devem tratar os valores fundamentais, tais como: prestação de contas rigorosa e confiável; equidade no tratamento de partes envolvidas; conformidade em amplo sentido; transparência e sustentabilidade econômico-financeira, ambiental e social.
As práticas de gestão da área de saúde têm evoluído para se adaptarem às novas exigências apresentadas em cada contexto histórico, político e econômico. O seu histórico mostra que ainda é comum a administração, principalmente em instituições altamente especializadas, ser exercida por profissionais de saúde. Estes lideres, de forma geral, são profissionais de alto gabarito, porém não foram preparados para o desenvolvimento de atividades administrativas e de gestão de pessoas, essenciais ao desempenho do papel de líderes gestores.
Tratando-se de uma área altamente complexa, com grande dependência do capital humano, com pessoas submetidas a elevada carga de trabalho num contexto de grande estresse, em que o erro coloca vidas em risco, e dados os desafios crescentes decorrentes da necessidade de aumento da eficiência e da efetividade do cuidado, nas últimas décadas o setor de saúde iniciou forte processo de profissionalização para a gestão das organizações.
As características pluralistas da estrutura organizacional de empresas de saúde, que congregam em um mesmo espaço, serviços dos mais diferentes níveis de complexidade de assistência, desde a atenção básica nos postos de saúde, aos hospitais de alta complexidade, setor de apoio diagnóstico, etc., bem como a cadeia produtiva industrializada (como lavanderias e cozinha), além de todo um componente administrativo (como faturamento, auditorias, recursos humanos e gerenciais), torna a administração em saúde uma atividade ímpar, extremamente complexa e que exige das lideranças competências especificas.
Outro fator importante: há a densidade de profissionais que fazem dessas organizações um conglomerado das mais diversas formações, ao envolver no desempenho de suas atividades, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, contadores, farmacêuticos, auxiliares de copa e limpeza, oficiais de manutenção, segurança, entre outros. Essa diversidade, bem como as especificidades assistenciais, políticas, costumes, entre outras variáveis, exige das lideranças a capacidade de se comunicar com todos e de conseguir traduzir a estratégia organizacional para estes. A interdisciplinaridade é articulada por meio do diálogo constante entre as diversas áreas.
O processo da transformação digital, que cada dia requer a ampliação mais acelerada e intensa, da integração entre pessoas e tecnologia, exige do líder especial atenção. Na área da saúde está sendo observado uma grande mudança na gestão dos serviços, o uso de modernas tecnologias está promovendo o alcance de valores de saúde consistentes, sustentáveis e de alto valor agregado, por intermédio do acesso à informação de qualidade, atualizada, confiável e baseada em evidências diretas ao ponto de atendimento a médicos, enfermeiros, profissionais de saúde no geral e pacientes.
Estas mudanças demandam a preparação das equipes para inserção nesse novo contexto. Requer, também, um esforço complementar para mudança da cultura, visando não só uma nova visão dos profissionais de saúde como dos pacientes e familiares.
O atendimento ao cliente de saúde demanda uma atuação de relacionamento intenso, destacando assim a liderança como uma ação expressa em atividades de direcionamento, denotando que sua atuação deva ser de um agente ativo, referenciando o papel de modelo.
É função do líder atuar com foco no provimento de condições para que os valores fundamentais se constituam base nas práticas e ações gerenciais, promovendo meios que levem os profissionais e equipes a atuarem de forma segura. Proporcionar clima organizacional favorável e propício para fortalecer as relações e melhoria nas condições de trabalho favorece a relação de crescimento, de entusiasmo e de prazer dos colaboradores, facilitando o desenvolvimento eficiente do trabalho, com qualidade em um ambiente sinérgico e saudável.
Para tanto, as estratégias permanentes do líder devem estar focadas na reorientação da atenção e do trabalho, humanização do atendimento, prestação de serviços seguro, com o menor risco e impacto para o paciente, cumprimento das normas, padrões e procedimentos, controle da qualidade dos serviços, monitoramento e apoio à equipe para superação de obstáculos e provimento das condições essenciais ao bom desempenho do trabalho.
A sustentação ao desempenho individual e da equipe com alto nível de satisfação, qualidade e confiabilidade é assegurado a partir da busca da melhoria contínua, do atendimento resolutivo ao usuário e a motivação do colaborador, através da definição clara dos objetivos e metas, diálogo, feedback, comunicação assertiva e transmissão de informações que promovam a compreensão das ações demandadas. Fundamental, também, assegurar o desenvolvimento das competências de cada membro da equipe a partir de capacitações focadas na função ou posto de trabalho.
O líder atua como gestor da unidade estratégica de negócio, com entendimento do todo e não apenas das partes, extrapolando ações setoriais, atuando com visão sistêmica institucional. As ações realizadas na saúde são multidisciplinares e estão conectadas com a linha do cuidado, sendo assim essencial o entendimento que a saúde é um serviço prestado no cliente e não para o cliente.
Líderar é definir a direção, criar uma visão inspiradora e traçar onde precisa ir para “ganhar” como uma equipe ou uma organização. No entanto, enquanto os líderes definem a direção, eles também devem usar as habilidades de gestão para orientar as pessoas para o destino certo, de forma suave e eficiente.
Um novo perfil para o gestor de saúde, apresentado pelo CEO Nelson Pestana, no I Forúm de Saúde UNIFACS 2017, sinaliza algumas competências esenciais ao desempenho da liderança no contexto de saúde, tais como:
- visão sistêmica das variáveis macro e microeconômicas;
- pensamento estratégico;
- capacidade para fazer leitura crítica das ferramentas de gestão;
- estilo de liderança integrativo, com abordagem multidisciplinar;
- compreensão da “linha do cuidado” como filosofia e prática de governança em todos os níveis de gestão;
- ética no processo decisório.
É fundamental relacionar as características e as habilidades dos líderes às relações interpessoais, principalmente no campo da comunicação, inteligência emocional e interação humana. Incentivar o: auto aperfeiçoamento, autoconhecimento, entendimento quanto ao seu papel, enquanto líder, em relação ao sofrimento do outro. Uma atuação que rejeite a ideia de que os princípios e as técnicas devem ser aplicados da mesma forma em todas as situações, exige reflexão permanente, conhecimento de si mesmo e respeito às diferenças.
Os dados e informações de pesquisas realizadas no campo da gestão em saúde, a seguir apresentados, são de suma importância para demonstrar a abrangência da atuação das lideranças nesse segmento:
Pesquisa realizada em parceria entre a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP e o Hay Group (Artigo publicado na Revista Melhor – setembro/2015) indica que o maior desafio das instituições de saúde está no desenvolvimento de lideranças e alerta para a necessidade relacionada ao desenvolvimento da liderança formal e informal nessas instituições.
Participaram da pesquisa 30 hospitais entre os associados da ANAHP, com adesão de 66% dos convidados (7.030 respondentes) e foram envolvidos todos os níveis hierárquicos das instituições. Resultados apontados:
- 61% dos colaboradores do setor disseram perceber clima favorável no ambiente de trabalho, enquanto a média entre as 111 empresas de diferentes setores é 64%.
- 63% dos profissionais afirmam confiar na diretoria;
- a cooperação e sinergia, pontos fundamentais para o trabalho em saúde, apresentaram desempenho inferior ao do mercado geral.
Esta realidade é comentada no depoimento a seguir, de Fábio Patrus, superintendente de RH do Hospital Sírio-Libanês e coordenador do Grupo de Trabalho Gestão de Pessoas (GTGP) da ANAHP “Sabemos que existe um grande desafio de liderança em nossos hospitais e os problemas são comuns entre as instituições. Ainda temos uma gestão pouco amadurecida, que não utiliza ferramentas disponíveis. Precisamos de uma gestão menos técnica, do ponto de vista assistencial”.
A pesquisa Atração e Seleção de Talentos na Área de Saúde, realizada pela Escola de Saúde, empresa da Affero Lab, em parceria com a consultoria DibAloe Projetos RH, no início deste ano e publicada em 26.05.2017 no portal Saúde Business, objetivou traçar um perfil do processo de atração e seleção de talentos e integração dos profissionais da área de enfermagem e equipes de atendimento. Contou com a participação de 16 instituições, sendo doze hospitais, dois serviços de medicina diagnóstica e duas empresas prestadoras de serviços de saúde. Os resultados referentes às vagas de nível técnico e profissionais graduados em enfermagem e atendimento, revelam que, de todos os profissionais que se candidatam às vagas de enfermagem e técnica de enfermagem, apenas 4% acabam assumindo efetivamente o cargo e permanecendo durante o período de experiência. “A pesquisa deixa claro que o turnover durante o período de experiência, até três meses após a admissão, é de 10% na média, um número muito alto se levarmos em conta o tempo e os custos empreendidos com todo o processo, considerando que um profissional da área leva cerca de seis meses para ficar pronto”, explica Fábio Barcellos, sócio fundador da Affero Lab. Ele continua a sua análise dizendo “Na pesquisa percebe-se que a maioria das organizações não calculam os custos de prontidão para operação, ou seja, custos que vão desde a disponibilidade da vaga até seu preenchimento efetivo, passando pelo período de treinamento.
Este tempo de prontidão dura, em média, 65 dias para cargos de enfermagem e 40 dias para as áreas de atendimento. É fundamental considerar a importância desses profissionais, uma vez que eles são a linha de frente no cuidado diário com o paciente, e, que bem treinados e integrados, a atuação é diretamente proporcional à satisfação do cliente”.
Outro ponto de destaque no estudo, citado por 100% dos entrevistados, diz respeito aos principais gaps na qualificação dos profissionais que chegam aos processos seletivos: falta de conhecimentos básicos em enfermagem. A falta de postura profissional, comportamental, conhecimentos técnicos e práticos por especialidades foram citados por 44% dos entrevistados.
“As instituições, muitas vezes, acabam diminuindo o nível de exigência para a aprovação dos candidatos no processo seletivo porque correm o risco de não preencherem as vagas. Como consequência, a própria organização toma para si a responsabilidade de treinar e desenvolver o profissional”, afirma Ana Paula Dib Aloe, responsável pela pesquisa.
No ano de 2016 os planos privados somavam aproximadamente 47,9 milhões de usuários. De acordo com os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, entre dezembro de 2014 a junho de 2016, aproximadamente dois milhões de pessoas deixaram de ser beneficiárias de planos de saúde. Questionado sobre este cenário o ex-presidente da ANS, médico Gonzalo Vecina Neto, comentou que o momento requer que o setor de saúde aumente a eficiência do funcionamento da gestão, ou seja, gaste menos e gaste de forma melhor, uma vez que é preciso melhorar o financiamento e a capacidade de gestão. Vecina Neto diz “O atual momento requer mais produtividade na administração do sistema”, e acrescenta “As tecnologias estão a disposição do mercado para realização de processos produtivos mais enxutos e voltados para gerar valor para o cliente”.
Frente às questões evidenciadas, é essencial que as instituições de saúde desenvolvam esforços no sentido de promover transição de um estilo tradicional de comando e controle da liderança, para um que alimente um ambiente de aprendizagem, onde os erros e as intercorrências sejam reconhecidos, os problemas expostos e refletidos profundamente. Em decorrência, sejam priorizados o desenvolvimento de habilidades das pessoas que as tornem capazes de solucionar problemas, mudando a cultura da busca do culpado, do foco na pessoa para o foco no processo, internalizando nos grupos uma nova forma de pensar e agir, catalisando condições favoráveis para o desenvolvimento de uma nova mentalidade.
Sendo o desenvolvimento e ampliação de competências uma real necessidade para atender às demandas das instituições de saúde, a liderança coaching apresenta-se como um novo direcionamento, uma alternativa focada no individuo, que com um espaço de tempo reduzido pode assegurar resultados surpreendentes. Jabur, Trevisan e Shinyashiki (2008) consideram que “o coaching inicia-se como solução estratégica e oferece uma rota para lideranças, pois pode desatar o potencial latente da liderança nos gestores ou robustecer a liderança existente”. Investir na formação dos líderes provocará impacto na melhoria contínua dos serviços.
Maiza Neville
Especialista em Carreira, Consultor em Gestão de Pessoas por Competências, Professora, Coach e Diretora-Executiva da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.
Dr. Iuri Neville
Médico neurocirurgião do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – USP e Doutorando em Ciências – USP, sócio da Damicos Liderança e Sustentabilidade.