O modelo de gestão do programa de Responsabilidade Social Empresarial na prática

Para iniciarmos a reflexão sobre o modelo de gestão do programa de responsabilidade social empresarial, três questões são fundamentais:

  1. O que é um modelo de gestão?;
  2. O que é um programa?; e
  3. O que é responsabilidade social empresarial?

O modelo de gestão pode ser definido como o modus operandi de uma organização, programa e/ou projeto, ou seja, como ele deve ser gerenciado em todas as suas etapas, como funciona, quais são as suas diretrizes e/ou eixos de atuação.

Um programa pode ser definido como uma ação permanente voltada para um determinado fim e/ou público-alvo, geralmente representada por um conjunto de projetos, que em sinergia e integrados, viabilizam o resultado desejado pelo programa.

E responsabilidade social empresarial pode ser conceituada como práticas de gestão, ações de responsabilidade sociais internas e externas que a empresa gerencia, realiza, investe e/ou apóia para aproximar seu modelo de gestão de um modelo de gestão socialmente responsável, envolvendo um ou mais públicos que são impactados pela atividade da empresa.

Partindo destes pressupostos, ficam algumas questões:

  1. Até que ponto o não conhecimento do conceito de responsabilidade social empresarial impossibilita percebê-lo como um programa ou até uma cultura?;
  2. Sem este conhecimento, será possível sistematizar as ações, as práticas de gestão, os projetos, de maneira integrada e sinérgica sob a mesma égide, ou seja, sob o “guarda-chuva” de um programa?;
  3. Como podemos desenhar um modelo de gestão do programa de responsabilidade social empresarial, sem clareza conceitual e/ou sem a definição clara deste programa?; e
  4. O quanto este modelo de gestão deve relacionar-se com o modelo de gestão da empresa e com o seu planejamento estratégico?

Em relação a primeira questão a empresa precisa perceber que sem a disseminação do conceito de responsabilidade social entre a alta administração, seus principais gestores, o público-interno como um todo e entre seus principais stakeholders (acionistas, clientes, fornecedores, comunidade, governo, autoridades ambientais, entre outros) inviabiliza a percepção do tema como um programa e/ou cultura.

Mesmo ainda nas grandes empresas, muitas vezes o entendimento prático é que responsabilidade social traduz-se em projetos sociais, principalmente, voltados para comunidades do entorno das instalações da empresa e/ou para a sociedade como um todo.

Enquanto isto perdurar, a empresa nunca se tornará uma empresa socialmente responsável e seguirá pelo caminho de ampliação de projetos em volume e investimentos e não pela inserção da responsabilidade social nas práticas de gestão e no relacionamento com seus stakeholders (partes interessadas).

As perguntas ou comentários mais comuns que surgem são:

  • “O que tenho a ver com isto?”;
  • “Isto é “coisa” da comunicação, de assistentes sociais, de recursos humanos.”; e
  • “A empresa agora virou instituição de caridade. Estes projetos sociais são um saco sem fundo. “, entre outras expressões.

Em relação a segunda questão, nota-se em várias empresas que ações ligadas ao seu negócio, prêmios de melhor empresa para se trabalhar, ações na área do meio ambiente e segurança do trabalho, investimentos em tecnologia que torne suas atividades seguras e/ou menos nocivas para o usuário do produto e/ou serviço não são percebidas e/ou incluídas no programa de responsabilidade social empresarial.

Além do fato de uma verdadeira “salada” de marcas, logomarcas e nomes dos mais variados projetos sociais, culturais, ambientais, como também de programas interno de qualidade de vida, desenvolvimento humano, que dificultam a assimilação interna e externa da identidade da empresa e do seu programa de responsabilidade social.

Portanto, sem a clareza do conceito de responsabilidade social, não será possível sistematizar as ações, as práticas de gestão, os projetos, de maneira integrada e sinérgica sob a mesma égide, ou seja, sob o “guarda-chuva” de um programa.

Algumas situações são comuns:

  • Empresas de energia que realizam programas ligados a universalização da energia, eficiência energética, pesquisas de novas tecnologias não incluem estas ações no programa de responsabilidade social e não priorizam estes programas como carro-chefe da sua atuação social;
  • Empresas que trabalham patrocínio de maneira completamente desconectada do programa de responsabilidade social. Muitas vezes sem critérios claros e/ou sem estabelecer contrapartidas sociais;
  • Empresas que criam suas fundações e institutos, e não investem ou priorizam a redução de índices gritantes de reclamações de consumidores e/ou de problemas sociais graves da sua força de trabalho e seus familiares;
  • Empresas que apoiam organizações ligadas à defesa dos direitos da mulher e não possuem programa de gênero. Empresas que apoiam organizações ligadas a luta contra a discriminação racial e não possuem programa voltado para diversidade racial;
  • Empresas que não tratam de maneira objetiva questões como propina, corrupção a agentes públicos e apoiam as esferas governamentais em políticas públicas e/ou projetos sociais; e
  • Empresas que práticas de assédio moral e/ou sexual são comuns, mas, aceitas com normalidade, pelo histórico da organização, pela sua cultura machista e/ou herdada da época da ditadura, entre outras situações.

Já quanto a terceira questão, também, não é possível desenhar um modelo de gestão do programa de responsabilidade social empresarial, sem clareza conceitual e/ou sem a definição clara deste programa.

O primeiro elemento refere-se à formação do comitê de responsabilidade social. Quanto a isto, as dúvidas que surgem geralmente são:

  • Quem deve formar este comitê?;
  • Devemos convidar áreas e/ou pessoas?;
  • Estas pessoas devem ser indicadas pela alta administração?;
  • Qual o perfil destas pessoas?;
  • Elas serão convocadas ou convidadas?;
  • E quanto aos outros comitês de gestão (comitê de ética, comitê de comunicação, comitê da diversidade, etc), o que faremos?
  • Será necessário também a criação de um comitê de sustentabilidade?
  • Como a alta administração deve participar deste comitê?;
  • Como evitar superposição e/ou sobreposição de ações do comitê de responsabilidade social com as áreas linha ou áreas fins de cada atividade (recursos humanos, meio ambiente, suprimentos, etc);
  • Este comitê necessitará de algum alinhamento conceitual ou capacitação? Isto deve ocorrer antes da sua formalização ou pode ser depois?; e
  • A periodicidade de reuniões e os papéis deste comitê devem ser definidos formalmente?

Se a empresa não entende a responsabilidade social como algo que permeia a gestão, ou seja, é transversal, ela não conseguirá formar o comitê da maneira adequada.

Este comitê poderá ser formado indevidamente apenas por voluntários, por pessoas que não tenham poder de decisão, por áreas apenas diretamente ligadas a ação social (rh, comunicação, assistentes sociais), por pessoas indicadas pela alta administração que não tenham nenhum comprometimento com o tema ou que não estejam a frente de processos (práticas de gestão) chaves para que a empresa se torne socialmente responsável.

Este comitê poderá também desviar o seu papel de aconselhamento estratégico as áreas, de facilitador, de catalisador para o planejamento e execução de projetos voltados para o público interno e/ou externo, sobrepondo as áreas fins.

Este comitê poderá ter vida útil curta ou até não iniciar suas atividades, caso algumas pessoas-chave da empresa sejam apenas convidadas e não convocadas, como por exemplo, gestor de recursos humanos, gestor da área ambiental, entre outros.

Poderá, também, se perder uma grande oportunidade de fusão de alguns comitês, transformando-os em subgrupos do comitê de responsabilidade social.

E a pior de todas as situações um comitê de responsabilidade social que seus membros não tem clareza suficiente do que é responsabilidade social empresarial.

Outro elemento é concernente às políticas institucionais. Quanto a isto as dúvidas que surgem são:

  • A política ambiental está subordinada a política de responsabilidade social;
  • A política de responsabilidade social deve incluir a política ambiental;
  • Política de responsabilidade social é a mesma coisa que as diretrizes de responsabilidade social;
  • Código de Conduta, Código de ética e política de responsabilidade social são instrumentos diferentes, complementares e/ou podem ser unificados?; e
  • O mais importante é ter as políticas institucionais ou a forma como são construídas, disseminadas e traduzidas em ações práticas?

E por fim no que tange a última questão, o modelo de gestão da responsabilidade social deve mais do que relacionar-se com o modelo de gestão da empresa, e sim, estar integrado a este modelo.

O que é muitas vezes traduzido através da concepção, implementação e avaliação do seu planejamento estratégico. E, quanto a responsabilidade social está inserida neste instrumento e por conseqüência na sua estratégia de negócios.
Quanto a isto temos algumas questões:

  • Como inserir a responsabilidade social no planejamento estratégico?;
  • Pode existir um planejamento estratégico da empresa e o planejamento do programa de responsabilidade social?;
  • Os planos e metas dos gestores da organização devem ser feitos permeando a responsabilidade social como algo transversal? Ou estas ações de responsabilidade social serão inseridas nestes planos e metas?;
  • O diagnóstico que precede o planejamento estratégico é suficiente para o planejamento da responsabilidade social ou a empresa precisa de instrumentos específicos como os Indicadores ETHOS;
  • Este plano deve ser aprovado pela alta administração de maneira formal ou será naturalmente integrado ao planejamento estratégico, sem um destaque maior;
  • Como garantir o aperfeiçoamento do modelo de gestão da responsabilidade social a cada período (qüinqüenal, anual, semestral, etc)?

Desta forma, independente de muitas questões que precisam ser respondidas através de outros artigos, de pesquisas e/ou da vivência diária com os programas de responsabilidade social das empresas, algumas lições podem ser registradas, são elas:

  1. O alinhamento conceitual é condição básica para minimizar as chances de insucesso de um programa de RSE;
  2. Lucro e responsabilidade social devem caminhar juntos, ou seja, em empresas com fins lucrativos a implementação da cultura e/ou programa de responsabilidade social deve ser visto e demonstrado como um salto qualitativo de gestão;
  3. A identidade do programa de responsabilidade social é fundamental para que o mesmo agregue valor a empresa e aos seus relacionamentos com os mais diversos stakeholders;
  4. A sinergia e integração dos programas, projetos e ações sob a mesma égide e/ou um mesmo “guarda-chuva”, além de serem fundamentais para gerarem resultados maiores, ou seja, ganhos em escala, minimizam as incoerências de atitudes e posturas da empresa;
  5. A definição da estrutura e formação do comitê de responsabilidade social é condição fundamental para que a responsabilidade social seja tratada como algo que permeia a gestão e disseminada como tal; e
  6. A inserção da responsabilidade social no planejamento estratégico e o redesenho do modelo de gestão da empresa para inclusão desta filosofia, garantirá o avanço da responsabilidade social e da empresa como um todo, a partir de um aperfeiçoamento natural de ambas as questões.

Portanto, estas são algumas das questões práticas do modelo de gestão do programa de responsabilidade social empresarial.

Fábio Rocha

Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.