As três ondas da gestão socialmente responsável

Em artigo denominado “Responsabilidade Social Corporativa: Por Uma Boa Causa!?” de autoria da Prof. Gianna Maria de Paula Soares, apresenta-se estudos que apontam no sentido de que a leitura atenta dos discursos organizacionais revela palavras sequer pronunciadas e de que existem contradições entre o que os membros das organizações assumem como sendo ética, moral e democracia e o que efetivamente é praticado no ambiente organizacional.

Partindo desses estudos, o presente ensaio pretende revelar a outra face da responsabilidade social corporativa. Desta forma, três tipos de discurso são identificados, quais sejam, o explicitado, o pronunciado reservadamente e o nãodito. Uma análise crítica do discurso não-dito revela o que se esconde por trás das ações preconizadas pela responsabilidade social corporativa bem como as contradições inerentes a essas práticas.

Um dos elementos que será identificado com o artigo aqui apresentado é perceber o quanto está presente nas empresas as diferenças entre os discursos com as práticas organizacionais.

Uma pergunta deve nortear esta leitura, qual destes discursos este gestor utiliza ou segue?

Esta abordagem inicial demonstra como é fundamental para entender as contradições do movimento de responsabilidade social empresarial, a história da responsabilidade social no Brasil, os seus conceitos e as críticas já registradas. Que contradições diriam os atores (gestores de rse, especialistas, professores, entre outros) deste movimento?

Por exemplo, as contradições entre os consistentes conceitos mais atuais e as práticas das empresas; ou ainda entre os discursos das empresas e as suas práticas de gestão.

Este artigo é importante não pelo simples propósito de entender o movimento de responsabilidade social empresarial, mas, de aproximar este universo de idéias e afirmações do desenho de um modelo de gestão socialmente responsável; e por conseqüência de um perfil adequado para o gestor desta grande e complexa matriz.

Podemos afirmar, com base em nossas pesquisas, na nossa atuação acadêmica e de mercado, que a gestão socialmente responsável no Brasil tem avançado de forma muita acelerada nestes últimos oito anos nos seus aspectos conceituais e de forma muito mais lenta nas práticas de gestão das empresas.

Quanto ao primeiro aspecto temos uma diversidade absurda de termos e conceitos que se confundem no dia-a-dia das empresas e até em produções acadêmicas.

Filantropia, cidadania empresarial, filantropia estratégica, investimento social privado, cidadania corporativa, responsabilidade social empresarial, responsabilidade social corporativa, responsabilidade socioambiental, entre outros, são alguns dos vocábulos usados quando se trata da gestão socialmente responsável.

Na maioria das vezes estes termos ganham conotações completamente diferentes e bastante distantes do verdadeiro conceito da gestão socialmente responsável. Apesar da diversidade conceitual três linhas se destacam pelas suas grandes diferenças ou como o artigo irá tratar três “ondas”.

Chamaremos estas ondas das três ondas da gestão socialmente responsável.

A primeira onda é a filantropia, conceituada como ações sociais externas que a empresa realiza e/ou apóia; situações, causas, projetos, comunidades e/ou movimentos sociais, geralmente através da doação de recursos financeiros, produtos, serviços, como também da cessão de instalações da empresa. Esta primeira linha conceitual e/ou onda apresenta quase sempre as seguintes características:

  • Sem nenhum vínculo com o negócio da empresa;
  • Desprovida de qualquer interesse empresarial;
  • Presença marcante do amadorismo na sua gestão;
  • Caráter assistencialista;
  • Emergencial;
  • Descontinuada;
  • Nenhum envolvimento da empresa na gestão das ações a serem operacionalizadas com este apoio;
  • Nenhuma utilização de deduções e/ou benefícios legais;
  • Gerenciada por quem estiver mais próximo do item e/ou itens envolvidos no apoio da empresa e/ou beneficiário da ação;
  • Nenhuma identificação da empresa como apoiadora; e
  • Nenhum tipo de registro formal dos resultados e/ou avaliação das ações.

A segunda onda é o investimento social privado, conceituado como ações sociais externas que a empresa realiza, investe e/ou apóia para melhoria social de um segmento, comunidade e/ou área de atuação, geralmente através do repasse formal de recursos financeiros para outras organizações formais, na grande maioria sem fins lucrativos e/ou através de projetos próprios. Esta segunda linha conceitual e/ou onda apresenta quase sempre as seguintes características:

  • Algum vínculo com o negócio da empresa;
  • Provida de algum interesse empresarial;
  • Presença maior do profissionalismo na sua gestão;
  • Caráter mais estruturante e menos assistencialista;
  • Planejado;
  • Continuado e até com prazos definidos (projetos com prazo de duração determinado);
  • Algum envolvimento da empresa na gestão das ações a serem operacionalizadas com este apoio;
  • Alguma utilização de deduções e/ou benefícios legais;
  • Gerenciada por equipe da própria empresa, por fundação e/ou instituto ligado à empresa e/ou por outra organização formal (a beneficiária da ação, sistema “S”, universidades, consultoria, poder público, conselhos, entre outros);
  • Maior ou total identificação da empresa como apoiadora; e
  • Algum tipo de registro formal dos resultados e/ou avaliação das ações.

A terceira onda é a responsabilidade social empresarial, conceituado como práticas de gestão, ações sociais internas e externas que a empresa gerencia, realiza, investe e/ou apóia para aproximar seu modelo de gestão de um modelo de gestão socialmente responsável, envolvendo um ou mais públicos que são impactados pela atividade da empresa. Esta terceira linha conceitual e/ou onda apresenta quase sempre as seguintes características:

  • Total vínculo com o negócio da empresa;
  • Provida de todo e exclusivo interesse empresarial;
  • Presença marcante do profissionalismo na sua gestão;
  • Caráter mais mercadológico;
  • Estratégico;
  • Permanente, enquanto a empresa existir;
  • Total envolvimento da empresa na gestão das ações a serem operacionalizadas com este apoio;
  • Total utilização de deduções e/ou benefícios legais;
  • Gerenciada por uma liderança formal da empresa e com envolvimento formal de todos os gestores;
  • Total identificação da empresa como apoiadora; e
  • Registro formal dos resultados e/ou avaliação das ações.

Ë perfeitamente compreensível que existem empresas, e não são poucas, nas quais estas três ondas podem estar presentes, talvez não em uma mesma unidade de negócio, mas, na empresa como um todo ou até no grupo empresarial. Devemos ressaltar também que existem áreas de “sombras” entre uma linha conceitual e outra, ou seja, encontram-se modelos de gestão socialmente responsável que mesclam características de mais de uma onda.

Em que onda encontra-se sua empresa?

Essa é a primeira distinção que os gestores de responsabilidade social devem ser capaz de fazer e que serão balizadores das suas tomadas de decisão e da sua estratégia de atuação.

Vale destacar, que a gestão socialmente responsável abrange temas que vão desde códigos de ética, práticas de boa governança corporativa, compromissos públicos assumidos pela empresa, gestão e prevenção de riscos, até mecanismos anticorrupção, diversidade, apoio às mulheres e aos não-brancos, bem como a extensão desses compromissos por toda a cadeia produtiva envolvida na relação com os fornecedores.

As ações sociais de uma empresa só podem ser consideradas responsabilidade social empresarial se fizerem parte de uma série de outras iniciativas que abordem todos os aspectos acima levantados e até formalizados em ferramentas de gestão já utilizadas no mercado, como os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial.

Responsabilidade social empresarial (RSE), segundo conceito adotado por uma série de instituições, como Business for Social Responsibility (BSR), Corporate Social Responsibility (CSR-Europe), Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, International Finance Corporation (IFC), Sustainability Institute, Institute of Social and Ethical Accountability, organizações pelo desenvolvimento sustentável etc., é definida pela relação que a empresa estabelece com todos os seus públicos (stakeholders) no curto e no longo prazo. Os públicos de relacionamento da empresa envolvem inúmeras organizações de interesse civil/social/ ambiental, além daqueles usualmente reconhecidos pelos gestores — público interno, acionistas e consumidores/clientes.

Portanto cabe uma última reflexão, o quanto estas linhas conceituais (ondas) afetam ou direcionam a atuação da empresa e/ou do gestor da responsabilidade social?

Fábio Rocha

Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.